A transição da agricultura familiar para sistemas de produção mais sustentáveis na região Norte de Portugal

Abstract

A agricultura familiar é a forma predominante de agricultura e um garante da segurança alimentar em todo o mundo. As explorações agrícolas familiares têm um papel relevante na conservação e valorização de práticas agrícolas, cultivares tradicionais e de raças autóctones, e apresentam características de maior flexibilidade e capacidade de adaptação, em tempos de mudança. O objetivo principal do presente trabalho foi avaliar a motivação e a disponibilidade dos agricultores familiares da região Norte de Portugal, para adotar sistemas de produção mais sustentáveis, em consonância com o Pacto Ecológico Europeu para 2021-2027, e com a necessária transição agroecológica, urgente para assegurar uma alimentação e agricultura mais resiliente e duradoura no contexto das crescentes crises ecológicas, económicas e sociais. O presente estudo baseou-se na estruturação e análise da informação existente sobre a Agricultura familiar (AF) e a Agricultura biológica (AB) na região Norte, na análise dos indicadores que definem o atual Estatuto da Agricultura Familiar (EAF), e análise de outros indicadores que melhor a poderão caracterizar. Deste modo, procurou-se contribuir para aumentar a adesão, visibilidade e reconhecimento do papel da AF. Realizaram-se inquéritos a agricultores familiares, na sub-região do Alto Minho, para compreender as suas perceções sobre o impacto das atividades agrícolas mais ou menos sustentáveis e a sua disponibilidade para assumir um processo de transição para a agricultura biológica ou para outros sistemas de agricultura sustentável. Em resultado, pode afirmar-se que a interação entre indicadores das dimensões económica, social, física, ambiental e cultural, é importante para o reconhecimento dos agricultores familiares (AF’s) e para a sua valorização. O indicador ‘Rendimento da Atividade Agrícola’ máximo (rendimento coletável ≤ 20.700€ em 2023) é limitante, já que, na maioria, os AF’s têm outra atividade externa à exploração. Estes agricultores, que na verdade são AF’s quando se consideram outros indicadores decorrentes das múltiplas funções da AF, vêm-se impedidos de obter o EAF. A exigência de mínimo de 20% de rendimento agrícola é, ao contrário, demasiado alto, em particular porque este rendimento é variável ano a ano e em algumas circunstâncias poderá não ser alcançado. Também é limitativo o titular apenas poder ter subsídios de Regime da Pequena Agricultura e/ou de Pagamento Base ≤ 5.000,00 €, que equivalem a despesas muito reduzidas com fatores de produção, manutenção de infraestruturas e de equipamentos. Salienta-se ainda que, até à data, não existiram medidas especificas para a AF, o que torna este instrumento de política pouco atrativo. Outros indicadores que deveriam ser incluídos para a atribuição do EAF, relacionam-se com as funções da AF, nomeadamente, a ocupação de SAU do território e a manutenção da paisagem; participação em circuitos curtos de comercialização; manutenção de sistemas produtivos tradicionais, como a produção extensiva e a policultura; preservação de raças, espécies e cultivares autóctones e manutenção da diversidade sociocultural. O total de 619 agricultores com EAF na região Norte, em 2022, representa apenas 1% das explorações agrícolas, que se localizam maioritariamente em Bragança, Vila Real e Viana do Castelo. Por outro lado, em 2019, as explorações de AB representavam 9,2% da área de AB do continente (2347 explorações), mais concentrados na proximidade de centros urbanos como Bragança, Porto, Vila Real e Braga. As dificuldades na continuidade das explorações agrícolas relacionam-se com as características de minifúndio e a necessidade de aquisição ou arrendamento de terras contíguas. As facilidades incluem a interajuda na utilização de mão-de-obra da comunidade e a qualidade dos produtos para alimentação da família. A possibilidade e vontade em transitar para sistemas de produção mais sustentáveis é impulsionada pela preocupação com a saúde, mas também com o ambiente e só depois com as questões económicas. Os AF’s têm, de um modo geral, consciência dos impactos negativos da agricultura convencional, e alguns já adotam práticas mais sustentáveis como: rotação e consociação de culturas, mobilização do solo apenas quando necessário, utilização de estrume, adubação verde, compostagem, biopesticidas, armadilhas, controlo biológico nos soutos, sistema de rega gota-a-gota, enrelvamento, pastoreio, bem-estar animal, entre outras. A transição da AF para práticas agrícolas mais sustentáveis, está dependente da necessidade de mais informação e demonstração sobre a possibilidade destas práticas não induzirem a perda de rendimento, uma vez que, produtos de melhor qualidade têm potencialmente um maior retorno financeiro. As dificuldades incluem a burocracia excessiva, despesa da certificação, preço elevado dos fatores de produção e dificuldade em colocar os produtos no mercado a preços justos. A transição agroecológica beneficiaria da criação de redes de apoio local, formação técnica, incentivos para a permanência dos jovens no meio rural, e medidas de apoio públicas direcionados para a agroecologia/AB, o que contribuiria para promover a manutenção, a sustentabilidade e a modernização da AF.

Family farming is the predominant form of agriculture and a guarantor of food security throughout the world. Family farms play an important role in conserving and valuing traditional agricultural practices and cultivars and indigenous breeds, and present characteristics of greater flexibility and adaptability in times of change. The main objective of the present work was to evaluate the motivation and availability of family farmers in the Northern region of Portugal, to adopt more sustainable production systems, in line with the European Ecological Pact for 2021-2027 and with the necessary agroecological transition, urgent for to ensure more resilient and lasting food and agriculture at a time of growing ecological, economic and social crises. The study was based on the systematizing and analysis of existing information on Family Farming (FF) and Organic Farming (OF), in the North Portugal, and analysis of the indicators that define the current Family Farming Statute (FFS), and other indicators that could be better to characterize and to contribute to its preservation. Surveys were carried out with family farmers in the Alto Minho sub-region, to understand their perceptions about the impact of agricultural activities and organic farming and assess their readiness for the transition. As a result, it can be stated that the interaction between indicators of the economic, social, physical, environmental and cultural dimensions is important, for the recognition of family farmers (FF's) and for valuing the context of rural families in the north of Portugal. The maximum annual ‘Income from Agricultural Activity’ indicator (≤ €20,7 €, in 2023) is low, considering that the majority of FFs that have another activity outside the farm. These farmers, who are actually FFs when other indicators arising from the multiple functions of the AF are considered, are prevented from obtaining the FFS. The minimum of 20% coming from agricultural income is too high, considering that this could not be achieved every year. It is also limiting for the FF’s to have subsidies from the Small Agriculture Scheme and/or Base Payment ≤ 5,000.00 €/year, which equate to very low expenses with production factors, infrastructure and equipment maintenance. It should also be noted that, to date, there have been no specific measures for FF. Other indicators that should be included in the FFS are related to the functions of the FF, namely, the agricultural land occupation and the maintenance of the landscape; traditional production systems, including extensive production and polyculture; the preservation of indigenous races, species and cultivars; short supply circuits and the maintenance of sociocultural diversity. The total of 619 farmers with FFS in the North region, in 2022, represents only 1% of agricultural holdings, which are mainly located in Bragança, Vila Real and Viana do Castelo. On the other hand, in 2019, organic farming (OF) farms represented 9.2% of the continent's OF area (2347 farms), more concentrated close to urban centers such as Bragança, Porto, Vila Real and Braga. Difficulties in continuing agricultural holdings are related to the characteristics of smallholdings and the need to acquire or rent contiguous land. Facilities include mutual assistance in the use of community labor and the quality of products to feed the family. The possibility and desire to transition to more sustainable production systems is driven by concern for health, but also for the environment and only then for economic issues. FF's are generally aware of the negative impacts of conventional agriculture, and some have already adopted more sustainable practices such as: crop rotation and intercropping, soil mobilization only when necessary, use of manure, green manure, composting, biopesticides, traps, biological control in the chestnut trees, drip irrigation system, cober crops, grazing, animal welfare, among others. The transition from FF to more sustainable agricultural practices depends on the need for more information and demonstration on the possibility of these practices not leading to loss of income, since better quality products potentially have a greater financial return. Difficulties include excessive bureaucracy, certification expense, high price of production factors and difficulty in placing products on the market at fair prices. The agroecological transition would benefit from the creation of local support networks, technical training, incentives for young people to remain in rural areas, and public support measures aimed at agroecology/AB, which would contribute to promoting maintenance, sustainability and modernization from FF.